“No Brasil tudo tem jeitinho.” Quantas vezes ouvimos essa frase como a encontrar solução para algum problema relacionado ao serviço público? Tenho a impressão de que isto vem de berço, desde os tempos em que Cabral aportou por estes lados e descobriu o Brasil. Dando um jeitinho de engambelar nossos índios, conforme conta a própria história, Cabral e sua turma desembarcou, tomou conta e estamos aí.
Os tempos passaram e o tradicional jeitinho foi inserido no contexto da própria história brasileira, facilitando as coisas, principalmente quando envolviam interesses pessoais e patrimônio público. Foi assim que acabaram com o pau-brasil e outras tantas riquezas, dando o adequado jeitinho para que aos olhos das autoridades, que ainda respeitavam as leis naqueles tempos, tudo tivesse aparência legal.
E o jeitinho virou instrumento nacional capaz de aliviar a barra de nossos políticos que a institucionalizaram, chegando ao ponto de, para qualquer negócio escuso, estabelecer, mesmo que isso seja deboche, a máxima de que em negócios com a República e suas adjacentes, leia-se governos em geral, 20% de comissão é de lei, embora não conste do papel, porém sendo corruptamente observado.
Parece até brincadeira ou crônica de humor, mas é um artigo em que tratamos de coisa séria, ou pelo menos aparentemente séria.
O jeitinho brasileiro é, de fato, instituição nacional. Das vantagens adicionais que sempre encobriram determinados pagamentos políticos, observamos que lá de Brasília nos chegam exemplos que são traduzidos em ações que viram uma fórmula de engordar o orçamento de nossas “otoridades”. Vantagem, aliás, que os “bons funcionários públicos” absorveram com a maior tranquilidade, aproveitando privilégio que não é para todos, claro, mas apenas àqueles que estão mais próximos do Poder.
E a tal válvula de escape ganhou diversos nomes, tanto que agora um dos últimos instrumentos relacionados ao jeitinho é o tal de cartão corporativo. Trata-se, na verdade, de um verdadeiro passaporte para a felicidade que “otoridades” e privilegiados “amigos do rei” sabem aproveitar, e muito bem. A situação chegou ao limite.
Os abusos são tantos e o deboche tão explícito que Álvaro Dias resolveu colocar o dedo nessa ferida fazendo-a sangrar. O senador paranaense pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) que aprofunde a análise e realize auditoria nos dados informados a respeito dos gastos, a nível nacional, com os tais cartões corporativos. Se passar esta intenção em Brasília é claro que ela deverá se estender a todo o país, permitindo que nós, os simples mortais, possamos tomar conhecimento, em toda a sua extensão, quanto a este instrumento do jeitinho que ganhou o apelido de cartões corporativos.
De 2003 a 2010 ocorreu um exponencial aumento no uso dos tais cartões corporativos em Brasília, prova de que o jeitinho se ampliou e quando a coisa é boa pega logo e se torna costume diário nos altos níveis da administração nacional. Fracionando despesas e evitando procedimentos licitatórios, da locação de automóveis a outros gastos que são facilitados hoje com os cartões corporativos, cuja utilização se disfarça em relatórios sem maiores detalhes que identifiquem as despesas efetuadas, além de superar a demora que exigiria em alguns casos execução financeira ordinária, os tais cartões corporativos viraram, de fato, coqueluche em meio a autoridades e funcionários públicos de alto escalão, e sacramentaram o jeitinho no serviço público.
Oxalá tenha sucesso o senador Álvaro Dias em sua empreitada junto ao TCU, recebendo respostas adequadas e sentindo que realmente as investigações a respeito do assunto serão pra valer. Se renderem no plano nacional, as providências no âmbito estadual e municipal vão acabar, certamente, com um instrumento do tradicional jeitinho brasileiro de facilitar determinados gastos, transformando a utilização dos tais cartões corporativos em coisa séria e que não desperte a menor suspeita como acontece na atualidade. (Luiz Fernando Fedeger)
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